domingo, junho 27, 2010

A alma de Minas e a morte


O título pode ser inadequado, mas a inspiração é total. Prometi que escreveria sobre meu pai. Está aqui. Lágrimas ainda correm, não tenho vergonha disso, ainda bem!
Esta foi uma das últimas fotos dele, mas minhas lembranças são outras!

A alma de Minas

Não se trata de bairrismo, alguns mineiros são privilegiados com a alma de Minas Gerais. Poucos sabem o real significado da Alma de Minas.

Os designados com a alma de Minas estão nos segmentos da política e da cultura, das artes, seria difícil nominar todos, nos esportes podemos destacar alguns também.

Existem centenas de mineiros que se ressaltam na mídia, perante seus pares, seus setores específicos, mas nem todos necessariamente têm a alma de Minas.

A alma de Minas tem o altruísmo, a abnegação e a vocação pública como pilares, outros valores, todos positivos estão impregnados também na Alma de Minas.

Ouvi o ex-governador Aécio falar no velório do meu pai: Murilo tinha a alma de Minas.

Ele está certo, sou testemunha e posso contar.

Murilo Badaró é um dos escolhidos para ter a alma de Minas, levou parte dela junto consigo, outros tantos ainda a levarão, mas infelizmente estão diminuindo os homens dignos desta essência.

Conversávamos muito ultimamente, aproveitei “meu velho” até o último instante. Ele me contou muitas histórias, debatíamos sobre a década de 50 e 60, sobre Vargas, a revolução de 64, os anos 70 e 80, enfim, tínhamos muitas conversas que uniam a minha curiosidade com a sua sabedoria.

Ele me contou a sua decepção e desconforto quando a linha dura, que implantou a ditadura, desvirtuou os ideais da legítima revolução de 64. A sua postura conjuntural de opção política quando seus ideais desviavam para outra direção. O homem idealista e democrata se incomoda com isso, quem o conheceu sabe do que falo.

Nossas conversas eram muitas. Quando, com muito prazer de minha parte, levava um vinho para degustarmos no domingo, as histórias surgiam. Murilo Badaró me contava de sua atuação como oposição a Magalhães Pinto, então governador nos idos de 60.

-Murilo, a política precisa de uma oposição combatente, legítima. Estamos perdendo isso. Os interesses, muitas vezes econômicos se sobressaem sobre a essência política do embate e do confronto, educado e necessário. Exclamava ele na sua serenidade.

Nunca vi meu pai alterar seu tom de voz, nem em momentos que fizessem qualquer pessoa normal mudar seu comportamento. Isso é parte da alma de Minas.

Ele me contou o episódio da convenção que disputou no PSD, então com 26 anos, para ser candidato a Vice Governador na chapa de Israel Pinheiro perdendo por muito pouco. Derrotado pelos caciques do partido, muitas mágoas para frente podem ter selado seu destino. Pela alma de Minas, ele sempre relevou tudo.

Ele nunca teve inimigos políticos, nem adversários, no estrito senso da palavra. A Alma de Minas dá a estes escolhidos esta prerrogativa, eles conseguem conversar com adversários, conviver, conciliar, negociar, enfim, esta é a essência da política mineira para os que têm a alma de Minas. Nunca testemunhei uma expressão de ódio, desamor ou sentimento de vingança no meu pai, por mais que tivesse motivos ou razão.

Isso é parte da Alma de Minas.

-Murilo, na política muitas vezes, a ousadia é a estratégia, perder ou ganhar é parte deu uma eleição, disse-me quando contou episódios de sua vida em que disputou eleição, mesmo sabendo da derrota iminente e da luta inglória. Nas suas candidaturas a bandeira sempre foi a vocação pública, o sentido de servir a Minas Gerais, nada, além disso.

A coragem é parte da Alma de Minas, derrotas podem ser vitórias perante aos preferidos pelo destino para possuírem esta alma de Minas Gerais. Os escolhidos para ter a alma de Minas relativizam a vitória, ela é parte do contexto político, ou não. A luta e a estratégia podem ser mais importantes do que a vitória ou a derrota. Isso muitas vezes faz a diferença do político mineiro.

Contou-me seu voto contra a cassação de Márcio Moreira Alves e o discurso de protesto contra a anulação de JK, estes quase lhe custaram o mandato, mas ele triunfou perante as suas convicções. Ele assumiu os riscos, conseguiu conciliar e contemporizar evitando o pior, mas nunca transigiu dos seus ideais de liberdade e democracia.

Murilo Badaró estava incomodado com a destruição das instituições, com o excesso do dinheiro na política e a deterioração da classe política. Ele como testemunha ocular e presencial de vários episódios deste país, deve ser levado em consideração, os fatos falam mais do que suas ilações.

Meu pai teve a morte dos justos, ele morreu em 5 minutos. Todos têm defeitos e qualidades, mas os que representam a alma de Minas têm seus desígnios.

Não me conformo com a morte dele. A morte não pode ser discutida, nem entendida, ela só pode ser aceita, nada mais. Ele poderia ficar mais alguns anos com a gente, fazendo o bem, ajudando conhecidos e desconhecidos, como sempre fez. A alma de Minas faz as pessoas não pensarem em si, mas nos outros, ele sempre foi assim.

A morte e o certo dito destino têm seus mistérios, assim como a vida, mas isso não pode ser motivo de resignação.

Minhas lágrimas podem estar secando, minha dor se arrefecendo, mas a saudade tomará conta destes espaços e será eterna, pública e reconhecida por alguns que tiveram este privilégio de ter convivido com ele.

Não estou lamentando, nem me confortando aqui, quero que muitos saibam que perdemos mais um personagem com a alma de Minas, e como ele mesmo me disse, a classe política está se degenerando, infelizmente. Espero que ele, na sua sabedoria, estivesse errado, mas os fatos nos mostram isso.

Não se trata de troca de gerações, alguns valores são imutáveis, inegociáveis. A alma de Minas não possui genéricos.

O exemplo dele pode ser resumido pela alma de Minas, para quem o conheceu é fácil entender o que escrevo aqui com a dor da perda, quem não o conheceu, ainda ouvirá seu nome ecoando nas montanhas das alterosas, nas homenagens que ainda virão, nos livros que escreveu ou nas histórias de Minas e do Brasil.

Nunca será difícil um filho escrever ou falar sobre um pai em momento como este. No meu caso pode ser mais complicado, falar sobre o político, o homem da cultura, o pai, o “detentor” da alma de Minas?

Não importa, afinal, a dor é pessoal e intransferível, que fiquem os seus bons exemplos. São vários!

4 comentários:

Virginia Galvez disse...

Parabéns, Murilo. A admiração de um filho pelo Pai é um valor hoje muitas vezes esquecido, infelizmente. Mas isso só demonstra que ambos, filho e pai, Murilo e Murilo, são grandes Homens e merecem todo a nossa admiração e respeito!!!Seu Pai, pelo que fez e o que deixa como marca e você, pelo reconhecimento e amor!

Cleide Lopes Vieira disse...

Murilo, em primeiro lugar os meus sentimentos a toda familia por essa perda.Não sabia.Voces perderam um pai, e o Brasil um grande politico, um homem integro e generoso, que tive o privilégio de conhecer num jantar em sua casa , na Asa Sul, se não me engano em 79 ou 80, a convite da Flavinha com quem trabalhava na Radiobrás.O seu pai fui uma das pessoas mais generosas ,inteligente,benevolente, honesta e humana que conheci.Quando li o seu belissimo artigo parecia estar vendo a radiografia dele, com o jeito manso e requintado de falar.Caracteristicas que só um mineiro genúino com alma de Minas sabe ter.Essas caracteristicas também parece ser o codigo de Barras de sua mãe, mulher elegante no trato com as pessaos sem perder a simplicidade,até mesmo ao se dirigir aos empregados.A ela os meus sinceros sentimentos e vou procurar ve-la.Ao seu pai a minha admiração e o desejo de que nesse momento esteja ao lado do grande mestre criador do universo,que com certeza está. E a voce a minha admiração e respeito pela pela homenagem justa que voce vez ao grande homem Maurilo Badaró. Abraços

Petrônio Souza Gonçalves disse...

Belo texto Murilo, a entrega verdadeira, se arremedos nem retoques, como deve ser a busca por algo que ficou intangível e faz parte de nós.
Ao meu amigo Murilo, aquele que está acima e dentro de todos nós, escrevi este poema, na eterna busca por todas essas coisas que ficaram e que insistem em não nos deixar.



Depois da porta,
É quando nada mais importa.
A vida não se mede dividida,
Mas pelo gosto das coisas
Na hora da partida...
Despedida,
O beijo meu no abraço que não te dei.
A vida vai longe
E nós nem chegamos aqui.

Com o meu abraço fraternal,
Petrônio Souza

Murilo Prado Badaró disse...

Agradeco as palavras!