quinta-feira, novembro 14, 2019

A prisão após condenação em segunda instância.

Essa discussão jurídica é complexa e apaixonante, são fortes os argumentos contra e a favor do cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. Nunca chegaremos a um consenso. Algumas coisas que extrapolam as questões jurídicas precisam ser refletidas.
O que vem a ser trânsito em julgado? Quando ocorre no trâmite de um processo? .
A presunção de inocência se confunde com a falta de culpa? Aqui é o cerne da questão. .
No primeiro grau, como falam os juristas, são apresentadas as provas, oitivas, testemunhas, etc. Ali é analisada a materialidade da culpa, ou não. Na segunda instância normalmente são confirmadas as questões processuais, inclusive a confirmação da culpa ou não. Não seria já transito em julgado? Sabemos que ainda caberia recursos para o STJ e o STF em alguns casos. Uma festa na floresta de recursos que dependendo do crime por chegar a 100, custo a acreditar nisso. .
A maioria dos países não existe isso, salvo raras exceções ou mesmo, o réu pode recorrer em liberdade sob pagamento de fiança. Primeiro mundo é assim. .
A justiça falha e esses são os maiores argumentos para manter a tal “presunção de inocência”, mas ela falha se não punir os criminosos. Onde fica a virtude? .
Lula foi sim o instrumento para reverter uma situação esdrúxula no STF. A insegurança jurídica é nosso maior mal hoje. Como atrair investidores externos, relações comerciais externas sustentáveis se não temos leis que funcionam, ou mudam de acordo com interesses da elite ou poderosos? .
Vamos a cronologia do vexame e comprovar como os ventos políticos e da elite dirigem nossas leis. Sim, existe um mecanismo que protege a elite, é muito evidente isso: .
Em 1973 alterou-se a lei processual penal, em regime de urgência, e deu origem à lei 5.941/73, conhecida como Lei Fleury, abrindo a possibilidade do réu primário, e de bons antecedentes, aguardar o julgamento em liberdade, mas nada mudava quanto à prisão em após a condenação em segunda instância. .
Em 1977, a Lei Fleury foi revogada sob o argumento de que ela permitia a impunidade de pessoas influentes. Foi substituída a lei 6.416/77, que alterou o sistema de prisão provisória, caso de Fleury. A prisão em segunda instância permanece. .
O princípio da presunção da inocência foi legitimado na CF de 88. Como em vários outros temas, faltava regulamentação. O conflito entre a CF e o CPP fica evidente. A súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sanou a dúvida e prisão após condenação em segunda instância não ofendia a garantia constitucional da presunção de inocência — continuava permitida a prisão em segunda instância. .
Em 2008, com a Reforma do Código de Processo Penal Brasileiro, os procedimentos criminais foram modificados em diversos pontos, reduzidos de cinco para três as hipóteses de prisão antes do julgamento: se hoje contamos com a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva antes dessa alteração legal ainda se acresciam a essas a prisão decorrente de pronúncia no procedimento do júri, e a prisão em razão de sentença condenatória de 1ª Instância. .
O Supremo Tribunal Federal, após o Mensalão, em 2009, mudou o entendimento, quando julgou o habeas corpus (HC) 84.078 — que tratava do caso de um condenado por tentativa de homicídio— estabelecendo pela primeira vez o direito do condenado em segunda instância recorrer em liberdade. Grifo meu: Pela primeira vez. Será que teve influência dos poderosos que estavam sendo condenados no escândalo do Mensalão? Pode apostar que sim. Detalhe: o crime que mudou a regra prescreveu e o réu saiu livre, leve e solto. .
Em 2016, no julgamento de outro HC, o 126.292, a jurisprudência sobre o tema mudou novamente e determinou o início da execução da pena. É sim possível a execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância disse o STF. .
Em 2019, volta o entendimento de que “a presunção da inocência” do artigo 5 da CF de 88 é direito fundamental. Só haverá prisão após o trânsito em julgado, mesmo que isso represente a chance de prescrição do crime e a letargia na punição do culpado.Convenhamos, após julgado e condenado por duas cortes, sendo a segunda colegiada, observada e confirmada a materialidade do crime cometido, a chance de o réu ser inocente é pífia, restando-lhe recursos e recursos, se tiver, claro, dinheiro para pagar bons advogados. Isso não é mais do que privilégios no enfrentamento a justiça para pessoas abastadas e a manutenção da impunidade. .
Nossa imagem é prejudicada. A sociedade assiste atônita a institucionalização da chicana. Pesquisas mostram que 75% da população apoia a manutenção da prisão após condenação em segunda instância. .
Lula foi o vetor de tudo isso? Muito certo que tenha sido. Queria entender como os recursos que envolvem Lula andam rápido no STF, enquanto centenas, talvez milhares, ficam na fila. Um processo no STF de 21 de abril de 1956 só foi julgado 31 de maio de 2019, levou 63 anos. Um dia espero saber qual é o critério deles. .
Lula precisa ser decifrado como político e como cidadão. .
Como cidadão, ele está solto, mas não está livre. Ele ainda responderá a 8 processos e mesmo com toda louvação é réu condenado, com trânsito em julgado já em várias instâncias. Próximo dia 27 haverá julgamento no TRF-4 do caso do sítio em Atibaia, segundo alguns o mais crítico para Lula. Ele já está condenado na primeira instância pelos crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos e 11 meses de reclusão. .
Como político ele é inelegível por conta da Lei da Ficha Limpa e não pode concorrer a nada. Pode influenciar nas eleições? Parece que sim, teremos chance de comprovar isso nas eleições do ano que vem. Na minha visão, ele influencia 25% (no máximo) dos eleitores, a marca histórica da esquerda, apesar de esquerda o Lula tem nada. Eu acho, só acho. .
E Bolsonaro? Ele surpreende desta vez. Com seu estilo de confronto, não se manifestou no episódio, pelo menos até agora. Pode ser maturidade, respeito ao conceito da independência dos poderes (Montesquieu agradece), ou mesmo estratégia que ainda não sabemos. .
Bolsonaro precisa consertar a economia e o Brasil voltar a crescer, esse é seu desafio e não Lula o chamando para briga. Aposto que ele não dará palanque a Lula. Parte da mídia tradicional dará palco a Lula, mas hoje o mundo mudou na disseminação da informação, vamos ver os próximos capítulos. A narrativa de preso político de Lula não se sustenta, salvo para a claque dele, mas isso acontecia com ele preso ou solto. .
O ataque a agenda atual do governo, que tem muitos méritos e parece acertada, só dará frutos a Lula se a economia continuar patinando. As desigualdades não acabarão da noite para o dia, são muitos anos de desmandos, corrupção e irresponsabilidades, mas, entretanto, a sociedade poderá sentir em qual direção os ventos vão soprar. .
A chance de aumentar a polarização entre eles é real, é preciso ver até onde isso vai chegar. Violência, badernas e conflitos têm de ter limites. A lei e a ordem são pilares da democracia e precisam ser exercidas, doe a quem doer. .
O Congresso pode salvar a pátria e restabelecer a justiça. Vários projetos tramitam lá, desde PEC (que demanda 2/3 dos votos e é complicada a aprovação) até mexidas no CPP, limite de recursos protelatórios, etc. Algo sairá de lá, tenho certeza, demora, mas sairá. Considerando que 75% da população é a favor da prisão após a segunda instância, o Congresso não fugirá de seu papel, pode apostar. .
Os defensores da “presunção de inocência” alegarão que o Artigo 5 é cláusula pétrea e não pode ser modificada. Haverá embates com certeza, mas a sociedade escolheu seu lado. Cláusula pétrea que estimula a impunidade e oficializa a chicana? Algo está errado. .
Eu como modesto cidadão, pagador de impostos, acho que manutenção de privilégios a criminosos que têm dinheiro e pagam bons advogados e a instituição da impunidade e da chicana, oficialmente no país, não tem nada de pétrea e nem é direito fundamental, só se for para alguns, sempre da elite. Simples assim. .
Lugar de bandido é na cadeia, principalmente depois de julgado e condenado, seja ele de que raça, cor, classe social, partido político, sexo, ele for. .
Só assim teremos futuro. 

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