No dia 10 de novembro de 1823 a sessão foi suspensa.
Antônio Carlos tinha o “sangue fervendo em borbotões e os cabelos eriçados”. Mas enquanto o povo
carregava nos ombros ele e seu irmão Martim Francisco, D. Pedro concentrava
forças militares nos arredores da Assembleia.
Na manhã seguinte, em revista às tropas e em meio à saudação
de “Viva o imperador liberal e constitucional!”, ele ordenou que os soldados
cercassem o prédio onde se reuniam os deputados. O deputado paraibano Manuel Carneiro
da Cunha exclamou: “O que eu vejo nisso é o governo a querer dar-nos a lei”.
Acuados e na
esperança de resistir, os constituintes declararam-se em sessão permanente.
Passaram por uma “noite de agonia” em vão.
Quando o coronel Francisco Vilela Barbosa, recém-nomeado ministro-chefe,
entrou no recinto fardado e de espada na cintura, às 11 horas da manhã do dia
12, a Assembleia Constituinte foi dissolvida. O primeiro golpe da história brasileira!
Frei Caneca, líder da Revolução Pernambucana de 1817 (mais
tarde morto por sua participação na Confederação do Equador, em 1824), declarou
que o dia era de luto e “nefasto para a liberdade do Brasil”. As historiadoras
Lilia Schwarcz e Heloisa Starling escreveram que “é irônico pensar que não só o
modelo de independência brasileira preconizou uma monarquia em lugar de uma
república, como nosso primeiro projeto constitucional foi vetado, e nem chegou
a vingar”.
Quatorze deputados foram presos. Alguns fugiram e outros foram
enviados para o exílio. Afastado do ministério desde julho, Bonifácio foi preso
em casa. Encarcerado na Fortaleza da Laje e depois na Santa Cruz, foi
expatriado no ano seguinte.
CONSTITUIÇÃO “OUTORGADA”
O golpe que derrubou o primeiro parlamento brasileiro fez nascer
uma Constituição imposta de cima para baixo. imperador era “constitucional por entusiasmo,
arbitrário por natureza”.
Para elaborar a sua Constituição, D. Pedro reuniu dez conselheiros
(seis eram também ministros). Um mês de trabalho bastou para que o imperador
tivesse em mãos o projeto constitucional desejado. Muito porque o anteprojeto de
Antônio Carlos fora, em parte, aproveitado. A versão de D. Pedro, porém, era
mais bem redigida e sucinta. Continha 179 artigos apenas.
O Brasil seria uma monarquia constitucional, hereditária e representativa.
O diferencial do projeto era a proposta trazida pelo conselheiro José Joaquim
Carneiro de Campos — e que seu irmão Francisco Carneiro de Campos já havia apresentado
à Assembleia dissolvida: o uso do Poder “Moderador”. Segundo o próprio
documento, “a chave de toda organização política”, o “equilíbrio e a harmonia
dos demais poderes”. O conceito não era original; havia sido teorizado pelo
conde de Clermont-Tonnerre no século XVII e desenvolvido por Benjamin Constant
em seu livro Curso de política constitucional. No entanto, servia bem à ideia
de D. Pedro, ser o fiel da balança entre os Poderes Legislativo e Executivo. No
século XIX ainda se desconhecia completamente a funcionalidade do pilar
tríplice da política moderna: Legislativo, Judiciário e Executivo.
O direito ao voto — que era indireto e censitário — foi concedido
a homens com pelo menos 25 anos (ou 21 se casados, oficiais militares, clérigos
ou bacharéis) e uma renda mínima considerada baixa para os padrões da época.
Os deputados eram eleitos indiretamente. Nas eleições primárias,
votariam aqueles com renda líquida anual de 100 mil réis — proveniente de bens
e ou de emprego. Escolhidos os “eleitores”, que deveriam ter renda anual de 200
mil réis, estes seguiriam para a capital da província e seriam os responsáveis
por eleger os candidatos. Os senadores eram escolhidos pelo imperador com base
em listas tríplices de eleitos nas províncias. Embora não fosse explícito,
mulheres não tinham direito ao voto por questões sociais. Por outro lado, não
se excluía diretamente o voto de analfabetos. Fato que não deixa de ser
curioso. Mais tarde, na década de 1880, com pequenas diferenças nas leis
eleitorais, 50% da população masculina brasileira votava (13% do total), número
bem superior ao de países como Inglaterra (onde 7% da população ia às urnas) e
Estados Unidos (2,5%). Já na República, nas eleições de 1930, quando apenas o
brasileiro alfabetizado tinha direito ao voto, os votantes correspondiam a
pouco mais de 5% da população.
O projeto da Constituição foi enviado às câmaras das vilas
brasileiras — a maioria delas acordou com a proposta.
Em dezembro, a nova carta constitucional foi apresentada ao
Senado da Câmara e assinada pelos ministros e pelo Conselho de Estado. Em 22 de
abril, Luís Joaquim dos Santos Marrocos, o arquivista da Real Biblioteca,
escreveu a versão que seria solenemente jurada pelo imperador na Catedral da Sé
do Rio de Janeiro no dia 25 de março de 1824. “A marionete solta das cordas”,
como se referiram a ela Schwarcz e Starling, ou a “Outorgada”, como ficou conhecida,
foi a Constituição mais longeva do Brasil. Ao ser revogada pelo governo
republicano, em 1889, era a segunda constituição mais antiga do mundo, superada
apenas pela estadunidense.
CONSTITUIÇÃO “OUTORGADA”
O golpe que derrubou o primeiro parlamento brasileiro fez nascer
uma Constituição imposta de cima para baixo. imperador era “constitucional por entusiasmo,
arbitrário por natureza”.
Temos vocação para golpes? O momento do Brasil nos faz refletir sobre isso.
Todos os golpes são justificados na CF e sempre haverá controvérsias e discussões. Pode ser o que estamos vivendo hoje, mas correndo o risco deste momento escalar e ficar mais grave ainda. A Democracia pode muito, mas não tudo. Muitas vezes emn nome dela são vilipendiados direitos e liberdades individuais e coletivos.
Imperador? Pode até ser alguém que não tenha o título, mas possui as prerrogativas de poder.
D. Pedro foi nomeado imperador pelos seus pares da maçonaria.
A história se repete como farsa ou tragédia, disse Marx (a única coisa que concordo com ele). Todo cuidado é pouco.
Rasgar a constituição, interpretar com idiossincracia ou não respeitá-la não são as mesmas coisas?
Constituições brasileiras
Das sete Constituições, quatro foram promulgadas por assembleias constituintes, duas foram impostas — uma por D. Pedro I e outra por Getúlio Vargas — e uma aprovada pelo Congresso por exigência do regime militar. Na história das Constituições brasileiras, há uma alternância entre regimes fechados e mais democráticos, com a respectiva repercussão na aprovação das Cartas, ora impostas, ora aprovadas por assembleias constituintes. Abaixo, um resumo das medidas adotadas pelas Constituições do país:
Fonte: Agência Senado