sábado, maio 30, 2009

Economia global vive um oximoro: em recessão e com bolsas e commodities bombando


Tenho falado sempre. Olhem a ótima coluna do Antonio Machado. Enviado por mim por e-mail.
Estou gostando desta nova forma de postagem.

Antonio Machado
Economia global vive um oximoro: em recessão e com bolsas e commodities bombando

A crise acabou? Acabar não acabou, mudou de patamar, já que o ambiente de bancos em ruínas está contido

29.05.2009 - 18:19

Antonio Machado

A economia vive tempos estranhos. Nos EUA, onde a crise começou, as pessoas querem acreditar que o pior é página virada, e isso é o que indicou um dos índices de confiança mais acompanhados no país. A Bolsa de Nova York reflete este sentimento bombando, assim como o preço de várias commodities, com destaque para o petróleo.

Irmã siamesa da bolsa americana, a Bovespa vem atrás, ao ritmo de um miniboom - ou vai à frente, considerada a situação relativa da economia mais confortável que a dos EUA, refletida pela volta do fluxo de capitais de curto prazo e sua sequela: o real forte, que também repercute a melhora do superávit da balança comercial e a continuidade, embora em nível menor, dos investimentos externos.

Afinal, a crise acabou? Acabar não acabou, mas mudou de patamar. O ambiente de bancos em ruínas parece contido, graças aos maciços programas de injeção de liquidez pelos bancos centrais e a crença assegurada pelos governos dos EUA e da Europa de que quebra igual à do Lehman Brothers, que rachou o sistema financeiro, está fora de cogitação dentro do ciclo da atual recessão. Já é alguma coisa.

Mas o desemprego não parou nos EUA - nem na Europa e na Ásia -, o consumo recuou em abril depois de dois meses em alta, o preço dos imóveis ainda desaba, a banca não descongelou o crédito, a curva do dólar embicou para baixo, razão a mais para a engorda do real.

A lista de horrores é do tamanho das dívidas dos EUA, que devem, segundo projeção governo de Barack Obama, crescer US$ 1,85 trilhão (13% do PIB) este ano e mais US$ 1,4 trilhão em 2010, estando hoje em US$ 11,3 trilhões, dos quais pouco menos da metade sob a forma de títulos em circulação no mercado. Nestes dois anos, o déficit fiscal será de pouco mais que 20% do PIB, elevando a relação entre a dívida pública e o PIB para cerca de 80% (é metade no Brasil).

Não dá para projetar um cenário de normalidade plena da economia frente a tais números. Levará vários anos para que os pepinos da crise financeira sejam digeridos pela economia americana.

Mas não é ainda crível um cenário de default dos EUA - especulação do dia pela insinuação da agência de rating Standard & Poors de tirar da Inglaterra seu tríplice A, a nota máxima, também aplicada à dívida pública dos EUA.

A dívida inglesa se acerca de 100% do PIB, menos que a tendência da dos EUA. Dívida soberana obesa é o mal deste início de século.

Indigestão de dívida

Pelos dados do FMI, a relação dívida sobre PIB do Japão ao fim de 2008 chegava a 200%. Na Itália, 104%; Alemanha, 76%; França, 65%. A expectativa é que aumente em todos eles até 2010, pelo menos.

O risco não é a insolvência seriada dos Tesouros nacionais, pois não falta no mundo liquidez virtual para financiá-los, mas de aumento da taxa de juros - a condição para o carrossel continuar girando - e à custa de desfalcar as disponibilidades para produção e consumo.

Não só de menor suprimento ao crédito a economia global padece, e seguirá reclamando por bom tempo – como no Brasil, onde o giro da dívida pública compete pelos recursos que poderiam estar dirigidos ao investimento e ao consumo -, mas também do cogitado aumento das regras prudenciais e de maior controle da atividade bancária.

Inferno ou paraíso?

O cenário coerente é de menos lucros e renda em todo o mundo nos próximos anos, o que não é compatível com a euforia dos mercados, em especial o acionário e de commodities. Ambos, porém, também são alternativas de proteção como ativos reais ao receio de corrosão a médio prazo do valor das moedas do mundo rico, sobretudo o dólar.

É o que leva os sinais vitais da economia a estarem confusos em toda parte, não só nos EUA, mas no Brasil, na China. Esperança do mundo rico, lá as notícias de aumento do consumo interno movido a crédito se embaralham com outras dando conta de queda da indústria e do consumo de eletricidade. Um informe do Banco da China fala em "grandes incertezas" e que a recessão mundial vai piorar.

A 3ª fase da crise

A terceira fase da grande crise, iniciada com o estouro da bolha das hipotecas nos EUA, seguida do crunch do crédito após a quebra do Lehman Brothers, chegou à economia real, mas livrou a cara dos capitais financeiros. Vem daí o oximoro do momento: a recessão e a euforia, tudo junto.

Falta dinheiro para o crédito nos EUA, onde o consumo representa 70% do PIB, e é farto para o cassino financeiro lá e onde haja chance, como aqui, suprido pelos planos de resgate. Mais que nunca o momento exige cabeça fria. Voltaremos ao tema.

Normalidade induzida

A última cogitação a se considerar é que o movimento de alta dos ativos financeiros seja espontâneo, representando a idéia ensinada em orelha de livros básicos de economia de que o mercado antecipa a recuperação econômica.

Isso é fato quando os capitais operam em regime de liberdade no caixa dos bancos. Hoje, porém, nos EUA e na Europa o dirigismo financeiro é quase total, com o mercado financeiro tratado como criança de colo pelos bancos centrais.

A questão a refletir é se a valorização dos ativos reflete impulsos de sobrevivência do sistema financeiro ou é parte de uma construção maior que leve ao cenário de normalidade "construída". Sequelas indesejadas, como a alta do petróleo, ficam para tratar depois pela geopolítica do poder.




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